terça-feira, outubro 28, 2008

No início de um NOVO CICLO?


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Senhor Presidente: Sou um escritor de uma nação pobre, um país que já esteve na vossa lista negra. Milhões de moçambicanos desconheciam que mal vos tínhamos feito. Éramos pequenos e pobres: que ameaça poderíamos constituir ? A nossa arma de destruição massiva estava, afinal, virada contra nós: era a fome e a miséria.


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Alguns de nós estranharam o critério que levava a que o nosso nome fosse manchado enquanto outras nações beneficiavam da vossa simpatia. Por exemplo, o nosso vizinho - a África do Sul do apartheid - violava de forma flagrante os direitos humanos. Durante décadas fomos vítimas da agressão desse regime. Mas o apartheid mereceu da vossa parte uma atitude mais branda: o chamado "envolvimento positivo". O ANC esteve também na lista negra como uma "organização terrorista!". Estranho critério que levaria a que, anos mais tarde, os taliban e o próprio Bin Laden fossem chamadas de "freedom fighters" por estrategas norte-americanos.


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Pois eu, pobre escritor de um pobre país, tive um sonho. Como Martin Luther King certa vez sonhou que a América era uma nação de todos os americanos. Pois sonhei que eu era não um homem mas um país. Sim, um país que não conseguia dormir. Porque vivia sobressaltado por terríveis factos. E esse temor fez com que proclamasse uma exigência. Uma exigência que tinha a ver consigo, Caro Presidente.


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E eu exigia que os Estados Unidos da América procedessem à eliminação do seu armamento de destruição massiva. Por razão desses terríveis perigos eu exigia mais: que inspectores das Nações Unidas fossem enviados para o vosso país. Que terríveis perigos me alertavam? Que receios o vosso país me inspirava ? Não eram produtos de sonho, infelizmente. Eram factos que alimentavam a minha desconfiança. A lista é tão grande que escolherei apenas alguns:


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- Os Estados Unidos foram a única nação do mundo que lançou bombas atómicas sobre outras nações


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- O seu país foi a única nação a ser condenada por "uso ilegítimo da força" pelo Tribunal Internacional de Justiça


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- Forças americanas treinaram e armaram fundamentalistas islâmicos mais extremistas (incluindo o terrorista Bin Laden) a pretexto de derrubarem os invasores russos no Afeganistão.


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- O regime de Saddam Hussein foi apoiado pelos EUA enquanto praticava as piores atrocidades contra os iraquianos (incluindo o gaseamento dos curdos em 1988)
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- Como tantos outros dirigentes legítimos, o africano Patrice Lumumba foi assassinado com ajuda da CIA. Depois de preso e torturado e baleado na cabeça o seu corpo foi dissolvido em ácido clorídico.


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- Como tantos outros fantoches, Mobutu Sese Seko foi por vossos agentes conduzido ao poder e concedeu facilidades especiais à espionagem americana: o quartel-general da CIA no Zaire tornou-se o maior em África. A ditadura brutal deste zairense não mereceu nenhum reparo dos EUA até que ele deixou de ser conveniente, em 1992.


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- A invasão de Timor Leste pelos militares indonésios mereceu o apoio dos EUA. Quando as atrocidades foram conhecidas, a resposta da Administração Clinton foi "o assunto é da responsabilidade do governo indonésio e não queremos retirar-lhe essa responsabilidade".


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- O vosso país albergou criminosos como Emmanuel Constant um dos líderes mais sanguinários do Taiti cujas forças para-militares massacraram milhares de inocentes. Constant foi julgado à revelia e as novas autoridades solicitaram a sua extradição. O governo americano recusou o pedido.


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- Em Agosto de 1998, a força aérea dos EUA bombardeou no Sudão uma fábrica de medicamentos, designada Al-Shifa. Um engano? Não, tratava-se de uma retaliação dos atentados bombistas de Nairobi e Dar-es-Saalam.
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- Em Dezembro de 1987, os Estados Unidos foi o único país (junto com Israel) a votar contra uma moção de condenação ao terrorismo internacional. Mesmo assim a moção foi aprovada pelo voto de cento e cinquenta e três países.


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- Em 1953, a CIA ajudou a preparar o golpe de Estado contra o Irão na sequência do qual milhares de comunistas do Tudeh foram massacrados. A lista de golpes preparados pela CIA é bem longa.


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- Desde a Segunda Guerra Mundial os EUA bombardearam: a China (1945-46), a Coreia e a China (1950-53), a Guatemala (1954), a Indonésia (1958), Cuba (1959-1961), a Guatemala (1960), o Congo (1964), o Peru (1965), o Laos (1961-1973), o Vietname (1961-1973), o Camboja (1969-1970), a Guatemala (1967-1973), Granada (1983), Líbano (1983-1984), a Líbia (1986), Salvador (1980), a Nicarágua (1980), o Irão (1987), o Panamá (1989), o Iraque (1990-2001), o Kuwait (1991), a Somália (1993), a Bósnia (1994-95), o Sudão (1998), o Afeganistão (1998), a Jugoslávia (1999)


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- Acções de terrorismo biológico e químico foram postas em pratica pelos EUA: o agente laranja e os desfolhantes no Vietname, o vírus da peste contra Cuba que durante anos devastou a produção suína naquele país.


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- O Wall Street Journal publicou um relatório que anunciava que 500 000 crianças vietnamitas nasceram deformadas em consequência da guerra química das forças norte-americanas.
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Acordei do pesadelo do sono para o pesadelo da realidade.
A guerra que o Senhor Presidente teimou em iniciar poderá libertar-nos de um ditador.
Mas ficaremos todos mais pobres.
Enfrentaremos maiores dificuldades nas nossas já precárias economias e teremos menos esperança num futuro governado pela razão e pela moral.
Teremos menos fé na força reguladora das Nações Unidas e das convenções do direito internacional.
Estaremos, enfim, mais sós e mais desamparados.


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Senhor Presidente: O Iraque não é Saddam. São 22 milhões de mães e filhos, e de homens que trabalham e sonham como fazem os comuns norte-americanos. Preocupamo-nos com os males do regime de Saddam Hussein que são reais. Mas esquece-se os horrores da primeira guerra do Golfo em que perderam a vida mais de 150 000 homens.

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O que está destruindo massivamente os iraquianos não são armas de Saddam. São as sanções que conduziram a uma situação humanitária tão grave que dois coordenadores para ajuda das Nações Unidas (Dennis Halliday e Hans von Sponeck) pediram a demissão em protesto contra essas mesmas sanções. Explicando a razão da sua renúncia, Halliday escreveu: "Estamos destruindo toda uma sociedade. É tão simples e terrível como isso. E isso é ilegal e imoral".

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Esse sistema de sanções já levou à morte meio milhão de crianças iraquianas. Mas a guerra contra o Iraque não está para começar. Já começou há muito tempo. Nas zonas de restrição áreea a Norte e Sul do Iraque acontecem continuamente bombardeamentos desde há 12 anos. Acredita-se que 500 iraquianos foram mortos desde 1999. O bombardeamento incluiu o uso massivo de urânio empobrecido (300 toneladas, ou seja 30 vezes mais do que o usado no Kosovo).
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Livrar-nos-emos de Saddam. Mas continuaremos prisioneiros da lógica da guerra e da arrogância. Não quero que os meus filhos (nem os seus) vivam dominados pelo fantasma do medo. E que pensem que, para viverem tranquilos, precisam de construir uma fortaleza. E que só estarão seguros quando se tiver que gastar fortunas em armas.


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Como o seu país que despende 270 000 000 000 000 dólares (duzentos e setenta biliões de dólares) por ano para manter o arsenal de guerra.
O senhor bem sabe o que essa soma poderia ajudar a mudar o destino miserável de milhões de seres.


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O bispo americano Monsenhor Robert Bowan escreveu-lhe no final do ano passado uma carta intitulada "Porque é que o mundo odeia os EUA ?" O bispo da Igreja católica da Florida é um ex-combatente na guerra do Vietname. Ele sabe o que é a guerra e escreveu:
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"O senhor reclama que os EUA são alvo do terrorismo porque defendemos a democracia, a liberdade e os direitos humanos. Que absurdo, Sr. Presidente ! Somos alvos dos terroristas porque, na maior parte do mundo, o nosso governo defendeu a ditadura, a escravidão e a exploração humana. Somos alvos dos terroristas porque somos odiados. E somos odiados porque o nosso governo fez coisas odiosas. Em quantos países agentes do nosso governo depuseram lideres popularmente eleitos substituindo-os por ditadores militares, fantoches desejosos de vender o seu próprio povo às corporações norte-americanas multinacionais ?


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E o bispo conclui: O povo do Canadá desfruta de democracia, de liberdade e de direitos humanos, assim como o povo da Noruega e da Suécia. Alguma vez o senhor ouviu falar de ataques a embaixadas canadianas, norueguesas ou suecas ? Nós somos odiados não porque praticamos a democracia, a liberdade ou os direitos humanos. Somos odiados porque o nosso governo nega essas coisas ao povos dos países do Terceiro Mundo, cujos recursos são cobiçados pelas nossas multinacionais."


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Senhor Presidente: Sua Excelência parece não necessitar que uma instituição internacional legitime o seu direito de intervenção militar.


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Ao menos que possamos nós encontrar moral e verdade na sua argumentação. Eu e mais milhões de cidadãos não ficamos convencidos quando o vimos justificar a guerra.
Nós preferíamos vê-lo assinar a Convenção de Kyoto para conter o efeito de estufa.
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Preferíamos tê-lo visto em Durban na Conferência Internacional contra o Racismo.
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Não se preocupe, senhor Presidente. A nós, nações pequenas deste mundo, não nos passa pela cabeça exigir a vossa demissão por causa desse apoio que as vossas sucessivas administrações concederam apoio a não menos sucessivos ditadores.
A maior ameaça que pesa sobre a América não são armamentos de outros.
É o universo de mentira que se criou em redor dos vossos cidadãos.
O maior perigo não é o regime de Saddam, nem nenhum outro regime.
Mas o sentimento de superioridade que parece animar o seu governo.
O seu inimigo principal não está fora. Está dentro dos EUA.
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Essa guerra só pode ser vencida pelos próprios americanos.
Eu gostaria de poder festejar o derrube de Saddam Hussein.
E festejar com todos os americanos.
Mas sem hipocrisia, sem argumentação para consumo de diminuídos mentais.
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Porque nós, caro Presidente Bush, nós, os povos dos países pequenos, temos uma arma de construção massiva: a capacidade de pensar.


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Carta de Mia Couto ao ainda Presidente Bush, 28.03.2003

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... retornando à porta do NUNCA, simbólicamente fecho um ciclo e um círculo, unindo inicio e fim...
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...que o amanhã se trace na certeza que ajudamos a construir um mundo mais justo, mais humano, mais verdadeiro...
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À medida que vamos avançando a paisagem diversifica-se...
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Foto: Lago Rosa em dia sem sol


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Do sal ao fogo.

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Foto: Encontro em estrada de terra batida, arredores de Kaolack

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Dos mercados à ilha das conchas...
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Foto: O Boby vai às conchinhas
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Terra de todas as cores






De casas de feiticeiros e chefes de tribo amantes de música, num misto de pagão e



surreal, como só lá...




à...

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traça colonial.
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Traça que remete de novo para a ilha de Gorée (ou Goreia em português), onde os portugueses chegaram em 1444, dando-lhe o nome de Ilha de Palma e estabelecendo aí uma feitoria, de onde partia todo o comércio de escravos.

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Foto: meninas bincando nas ruas de Goreia

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À distância de quilometro e meio de Dakar, Gorée foi Declarada Património Mundial da Humanidade pela UNESCO, em 1978, conservando ainda hoje as suas raízes arquitetónicas seculares.

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Foto: Casa dos Escravos

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Nas escadas do tempo a ideia de um circulo que se fecha...

Les gazelles...

Terra quente, dia solto no tempo.



O corpo cansado dos kms percorridos pede uma pausa.



O pó dos caminhos mascara-nos a pele, fazendo-nos seus, na extensão da descoberta.



De terra em terra, paramos em Hoteis o tempo suficiente para a refeição e para um mergulho rápido na piscina...

E chega a cerveja.











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De nome Gazelle, leve, saborosa, refrescante, é fabricada em Dakar, especialmente para os turistas e estrangeiros residentes, dado que, 90% da população é de religião muçulmana.



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Sorrio com o nome da cerveja, uma vez que é o mesmo nome que pelas ruas e caminhos deste país, nos vão chamando, em voz baixa : Gazelle, vous ête une gazelle...

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Ser Gazelle, assegura-nos o guia é um elogio respeitoso, é assim, uma e qualquer mulher, que independentemente da idade, da cor da pele, do modo como se veste, possua em si, uma graça...pode ser o andar...pode ser o sorriso espontaneo, pode ser o espanto, pode ser a profundidade do olhar...a postura dos ombros...é um algo que a faz diferente e a nossos olhos, brilhar...

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E na aprendizagem de coisas simples como estas, se vão peneirando graças ...


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domingo, outubro 26, 2008

O sorriso das meninas...


"...só um mundo novo nós queremos,
o que tenha tudo de novo
e nada de mundo."
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Mia Couto, in "Cada homem é uma raça"
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ou, do Alien, a sua
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PETIÇÃO INICIAL
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Dá-me um cavalo uma alma uma nave
Algo que voe ou galope ou navegue
E seja azul ou de outra cor mas leve
No seu vagar qualquer coisa que lave
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Dá-me uma curva um espelho uma pausa
Algo que brilhe e demore e seduza
E se transforme ao ar em luz difusa
Ou nada ou coisa que não tenha causa
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Dá-me um comboio um apito um berlinde
Algo que parta ou que role ou decida
E ao passar perto da hora perdida
Nos traga a rima precisa de brinde
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Dá-me um baloiço um esquadro uma vez
Algo que meça que oscile que seja
Uma surpresa o gesto que se beija
A última loucura que se fez
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Dá-me um segredo uma cor uma uva
Algo que importe ou se cheire ou escorregue
(Mas não tropece nem ceda nem negue)
Por entre dedos ou gotas de chuva
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Dá-me uma febre um papel uma esquina
Algo que rasgue ou se dobre ou estremeça
E que se esconda e mais tarde apareça
Sombra de vulto subindo a colina
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Dá-me um arco que seja íris
Dá-me um sonho que seja doce
Dá-me um porto que tenha barcos
Dá-me um barco que nunca fosse
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Dá-me um remo
Dá-me um prado
Dá-me um reino
Dá-me um verso
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Dá-me um cesto
Dá-me um cento
Dá-me só
Um universo
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ou assim baixinho...quase sussuro, a tradução do meu sentimento:
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Eu queria inventar um sangue novo
que não perecesse
de desesperança
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eu queria inventar uma força
que a todos servisse
sem diferença
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eu qeria inventar um amor
que suportasse
a mudança.
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E um vento que nos levasse
-para lá do novo Bojador.

Djoudj, o santuário...






Nas águas calmas do rio Senegal, um passeio de piroga....







"...acordar não é a simples passagem

do sono para a vigilia.

É mais um lentissimo envelhecimento,

cada despertar somando o cansaço

da inteira humanidade.

E concluí, a vida ela toda, é um extenso nascimento..."

Mia Couto, in "Cada homem é uma raça"

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"História de um homem é sempre mal contada.
Porque a pessoa é, em todo o tempo, ainda nascente.
Ninguém segue uma única vida, todos se multiplicam em diversos
e transmutaveis homens.
Agora, quando desembrulho minhas lembranças eu aprendo meus muitos idiomas.
Nem assim me entendo.
Porque enquanto me descubro, eu mesmo me anoiteço, fosse haver coisas
só visiveis em plena cegueira."
Mia Couto, in "Cada Homem é uma raça"


"...Sonhei-lhe. Ela estava no quintal, trabalhando no pilão.
Pilava sabe o quê? Água. Pilava água.
Não, não era milho, nem mapira, nem o quê.
Água, grãos do céu.
Aproximei, ela cantava uma canção triste, parecia que estava a adormecer a si própria.
Perguntei a razão daquele trabalho.
-Estou a pilar.
-Esses são grãos?
-São tuas lágrimas, marido."
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Mia Couto, in "Vozes Adormecidas".