sábado, junho 10, 2006

As duas mulheres


Era uma vez duas mulheres que sem saberem uma da outra, uma noite se cruzaram num chat de quarentões...

Uma ia vestida de musica. Natalie. A outra de perfume. Blue Light. Teclavam pela noite fora, com todos os outros quarentões que as acompanhavam para lá dum monitor, das teclas percorridas com agilidade e rapidez. Riam. Naquele pequno imperio virtual a boa disposição era constante. Como se de riso a vida de todos eles estivesse pendente...

Por vezes teclavam sozinhas, havia entre elas uma empatia incrivel...e outras coincidencias...

Conheceram-se num restaurante de Lisboa, com todos os outros quarentões que habitualmente teclavam.

A Viuva.

Era, no entanto, uma viuva cheia de luzinhas, aberta até às 2h da manhã, com boa comida e boa musica, como qualquer viuva que se preze.

O tempo passou e com ele levou as conversas virtuais das duas mulheres...tantos dias se passaram sem saberem uma da outra!

A perfumada, um dia, decidiu tirar a net de casa.
Na sua memória, contudo, havia uma musica que queria guardar para sempre. Natalie.

Na última noite de net, foi até ao chat, onde tão bons momentos tinha passado e procurou nick a nick por ela...até que ela chegou, talvez ofegante da mudança repentina de "roupa" talvez incrédula por uma estranha querer falar com ela...

E da última noite, se fez a passagem para a vida...

Natalie, atravessava momentos dificeis...no dia seguinte ia ser internada, para uma intervenção cirurgica urgente.

Blue conhecia os corredores do Hospital...lembrava-se do gelo das paredes mudas...do cheiro a dor misturado a desinfectante...adormeceu enrolada a si propria, pensando na musica...

Quando acordou lembrou-se imediatamente de Natalie.
Quem a tinha levado na noite anterior ao chat?
Que força misteriosa era aquela que a levara até à amiga?

Como a ajudar?

A lembrança do hospital remetia-a para o seu passado...visita-la?

Seria capaz?

Pensou que usar a palavra amiga, se não podemos ou não fazemos nada pelos outros é um sacrilégio...um bluff...mas voltar àquela rua...ser capaz de encarar aquele predio...iria ser um passo de gigante...

Vestiu-se com esmero, tinha um dia, profissionalmente duro pela frente, diferente.
Estava pronta para ganhar a batalha legal que aquele dia trazia...em nome do trabalho que desenvolvera no passado, da consciencia criteriosa, com que sempre tinha trabalhado, que sempre tinha usado no seu dia a dia no banco...

A batalha legal que, irónicamente, tinha chegado às suas mãos como perdida, ela sabia que só podia estar ganha!

Ao almoço, comeu choco frito -de alguma coisa valia a ida ao tribunal de Setúbal-, conversou com os colegas, com o advogado do Banco, com a sua actual chefe...sentia-se segura, quase vitoriosa.

O regresso a Lisboa foi calmo, realmente o processo fora bem concluído como sentira de manhã cedo...e a Natalie?

Quando chegaram à Pr. Espanha, pediu ao Paulo para a deixar ali.

Caminhou fumando um cigarro...e decidiu. Ia visitá-la.

Custasse o que lhe custasse, as suas memorias não podiam ser mais importantes que uma pessoa viva, de carne e osso, que precisava dela!

Entrou na florista e escolheu um ramo.

Não, rosas não, porque são frageis.

Algo que dure muito, muito tempo, pediu.

O pequeno ananaz, selvagem, foi o centro do ramo.

Entrou e subiu.

Tremia por dentro, engolia os corredores, não desistia...

Quando chegou perto da mulher com nome de música, que não a esperava, sorriu, abraçou-a.

A outra achou-a fora do vulgar...ela agradeceu, a vida às vezes surpreende-nos, faz nos ser diferentes...conversaram calmamente durante o tempo permitido...quando a deixou, sentiu que pela frente delas, havia ainda muito tempo, muito que caminhar, muito que falar, muito por descobrir...a vida ia surpreender Natalie!

Foi pelo corredor fora e reparou que as paredes não eram geladas...
Visitou a enfermaria que antes conhecera tão bem...as lagrimas assomaram quentes aos seus olhos...passou na casa de banho, onde fumara cigarros, quando a angustia a fazia sair a correr da tal enfermaria...

Agora percebia que o gelo que sempre caracterizara para ela, aquele sitio, estava dentro dela...no passado...

...agora sentia o calor do sitio...para si, naquele momento a mensagem foi explicita: outrora a morte, ganhou, agora a vida venceria!

Saiu do hospital confiante.

Passou pela farmacia e viu o vulto da mulher que outrora tinha sido razão de tantos dissabores...como o destino podia ser sarcasticamente cruel!!!

Agora essa mulher já nada lhe dizia, já não sentia o coração aos pulos ao vê-la...tudo em si respirava calma e confiança...por fim!!!!!

Andou calmamente, saboreando o cigarro, as pequenas grandes vitorias do dia...conversou com Deus...por favor, sê bondoso! E tudo naquela noite lhe falava de bondade e paz...

Tudo correu bem com ambas, como pressentira naquela noite...

Por fim, ao fim de 3 anos voltaram a ver-se.

Celebraram com caipirinha e conversaram horas e horas...

...são apenas duas mulheres unidas por um ananaz chamado amizade!




E hoje sim, Natalie, aqui está a rosa que te ofereço e que bem mereces, por tudo quanto és!!!



sexta-feira, junho 09, 2006

de menta e caril na alvura da nuvem






Hoje quero-te alva
despojada de ti
quase perfume.

hoje quero-te brisa.
sem pés que te prendam ao chão.
sem pernas por onde as serpentes
te possam prender.

Soberba como uma nuvem.

Despreendida da terra.


Quero-te virgem
sem véus
sem flores de laranjeira
a nascerem dos teus cabelos
e no entanto
pura
quero-te

sem pés nem cabeça

Soberba como uma nuvem

se desceres
sobre nós
vem descalça
para que os teus passos
não acordem invejas.


ampla

para em ti caber o sol
a lua
cheia
ou o horizonte
real
mas sem o futuro
geometricamente
calculado
segundo a segundo.


Intemporal.
mas mutavel
de uma
complexidade infinita.
de menta e caril
de espuma.
Esoterica
de sabores
para la

das palavras
escritas
no céu
sobre as texturas
dos sentimentos.
Palpáveis.



Hoje quero-te

como uma nuvem
de Verão

prenúncio de calor.


Soberba de paixão.


E tu sabes que és tu.
A gaivota.

:)

terça-feira, junho 06, 2006

a noite cresce na lua


Deixa-me abraçar-te, meu amor...e no gesto afastar o frio do mundo, fazê-lo ausente de nós.

Afagar-te com os olhos e prender na minha pupila a tua pele, dilatar ao maximo o sentimento, beliscar-te com o olfacto e saborear-te lentamente num crescendo.
Bolero de Ravel.

Assim abraçar-te de corpo cheio, apagar lentamente o cansaço dos dias.
dos jogos de xadrez. da ambição.
das casas onde viveste, das areias que te conheceram.

Lambo-te a pele menina, fresca de anseios, porque te anseio puro.
Só meu deste espaço nosso, como se nunca tivesses vivido fora desta cama.
Como se nunca tivesses amado...como se hoje fosse a nossa primeira vez de todos os tempos.

de todos os corpos, esquecidos.
de todas as guerras, vencidos.

Não, não te vires ainda. Deixa que o meu abraço te adormeça outras vidas, traga o nevoeiro do esquecimento e nas nossas mãos apertadas se defina a intensidade da amarra.

Deixa que primeiro te navegue por dentro, te sinta na ilha que guardo no ventre amadurecido,
no cume do meu coração.

A noite cresce na lua do teu ombro...sorrio no luar da agora, tua boca, que me beija
...e sinto na lua a passagem para o meu lado de fêmea que te querendo, respira vida.

Rio, provocante do quanto renasço, do quanto sinto
reconhecer-te. Na pele no cheiro no beijo reconheço-te.

Entrego-me.

Na ilha o orvalho nasce puro.
E o tronco que me desenhas na pele, na posse das linhas do meu pescoço,
é o arco íris que nos une...reflectido na água deste lago que nos inunda.
agora as tuas raízes saciam-me.


Cá dentro a noite cresce na lua e nós somos dois planetas encontrados pelo tempo dos sentidos.


Encontro-me no teu abraço, meu amor.