quinta-feira, setembro 14, 2006



Nem sombra de ti.

Na areia, ainda quente, em vão, tentei perceber a direcção dos teus passos.

Enviaste, contudo, passados muitos anos, uma impressão digital num postal sem selo, que eu nunca pude agradecer.

Falavas de terras que eu nunca vira e de rotas demasiado arriscadas para um sossegado destino como o meu.

Contavas-me das saudades do mar e da nostalgia da viajem, quando o coração sente a noite cair e ainda não conhece o olhar da mulher que o receberá.

Quando o corpo sujo do pó das estradas se dobra no vómito da solidão.

Falavas-me dos telhados de Alfama e da Mouraria, da luz única da nossa cidade, ao subir o Castelo...

Nas entrelinhas percebi a fome dos temperos de mão cheia, a sede do nosso olhar de rio, quando nos sentavamos no cais a tricotar sonhos, roubados aos livros de Geografia.

-Subíamos as escarpas da descoberta e antes de assinalarmos o feito, já novos caminhos prometíamos numa azáfama de partidas sem retorno, a uma terra que era já nossa.

Percebi também na paisagem do postal, a febre que te consumia e o perfume de jasmim que perseguias, no doce embalo de um comboio sem linhas, que já era o teu pensamento.

Soube-te perdido com a visão de um mundo demasiado pequeno para ti, sabia que o deserto vivia dentro de ti e nos glaciares longinquos por fim, acalmarias a morte. Dirias sorte.

E eu falava-te da esperança dos meus olhos, da poesia no eco dos passos, quando as ruas à noite adormeciam antes de nós...de um novo sol e de um novo riso, de um novo dia.

Rias-te, céptico da minha força, com os teus dentes brancos, mastigando as ironias de uma vida a prazo.

Há quantos anos se partiu já a nossa rosa dos ventos?

Não sei de ti nem que direcção tomaste.

Levaste contigo os meus poemas, escritos à mão em papel de contas, bem dobrado e, quem sabe...? é sobre eles, que hoje, ancoras o teu corpo, já cansado.

E a esperança resiste mesmo nas ruas mais frias.