domingo, julho 16, 2006

As rolas do tio Alfredo




Foto registada em Alcochete em 2004, vila pescatória na margem sul do Tejo, onde o tio Alfredo nasceu há mais de 100 anos...









O tio Alfredo, irmão da minha avó, morava em Santa Apolónia, num quarto andar sem elevador, mesmo virado para a Estação Ferroviária e para o rio.

Talvez venha daí, das tardes comtemplativas que passava à sua janela, o meu gosto por viagens.


Partidas e chegadas, anunciadas ao altifalante, a pressa dos passos que iam, a surpresa em tantos dos rostos, que chegavam, as alcofas que deixavam adivinhar o farnel, o verde das fardas dos magalas, as malas e os sacos acondicionados na bagageira de um táxi, que os esperava ou que os trazia...

Talvez venha daí, também o meu amor pelo rio, que corria sereno, para lá da linha do eléctrico, para lá dos contentores...ainda os Xutos e Pontapés não cantavam "a carga pronta e metida nos contentores, adeus oh meus amores que me vou", já eu, ainda tão menina, olhos postos na azáfama do largo me dava conta, das despedidas guardadas em saquinhos, que cada mala encerrava...

Depois, com os braços cansados de tanto tempo ali suspensos, na ansiedade dos outros, vinha para dentro e logo o meu tio, carinhoso e de sorriso jovial, me perguntava:

-Vandinha, queres vir ajudar o tio a tratar dos pombos???

E lá ia eu atrás dele, através das sombras da casa, um mundo de cheiros novos para mim, porque cada casa guarda os seus, o cheiro das madeiras dos móveis, das rosas na jarra, dos pessegos maduros num prato, e depois da cozinha, nas traseiras do prédio, onde pássaros coabitavam com pessoas, numa saudavel relação, sem ameaças à saúde publica ou privada, lá ficava eu de olhos presos no pombal...


...mas não eram os pombos, que colhiam a minha atenção, esses, já eu conhecia sobejamente do Rossio, onde tantas vezes me levavam a dar milho, possessivos, assustavam-me, sempre na ansia de debicarem mais um grão... pousavam-me na cabeça e nas mãos, quase me engolindo, perdida entre mil asas...

Os meus olhos voavam imediatamente para as rolas, brancas, fragéis e com aquele piado que entrava por mim adentro, direitinho ao coração...

Talvez seja por isso, que guardo sempre como únicos, os momentos em que as ouço...

A viver há um ano, num sitio, onde a passarada me acorda bem cedo, com os seus chilreios alegres, desde o primeiro dia, senti a ausência das rolas...

Com pena.

Hoje, vá-se lá saber porquê acordei com elas.

Talvez por fim e depois de muitos vôos me tivessem descoberto e assim, simbólicamente, me ofertaram, neste domingo quente de Verão, mais um momento único, enriquecido por memórias ternurentas, de um tio, que há muito partiu...






Também eu parto, mas de férias :))



Alem da bagagem visivel, sempre as origens das coisas e as saudades levo, bem acondionadas, num paninho florido, junto ao coração, pelos que cá deixo...

Até ao meu regresso!

Portem-se...mal ;)))

Beijos!